MEMÓRIA DOS CLÁSSICOS CIVILIZADOS, by Roberto Costa
Dependendo da idade, muitos jovens torcedores não tiveram a experiência de viver o tempo dos clássicos civilizados. Os clássicos civilizados tiveram a sua fase áurea muito especialmente nos tempos do Campo da Liga, oficialmente Estádio Adolfo Konder, estendendo-se um pouco além.
Imagine-se esta dimensão poética, em que torcedores azurras e alvinegros, depois da domingueira galinha assada com maionese saíam para o Estádio misturados, em ônibus superlotados, cada qual com suas camisas e bandeiras muito respeitadas, o diálogo fácil entre adversários dividindo o mesmo banco, porque na província todos se conheciam, as gozações trocadas no âmbito restrito do puro humor.
Era sempre festa ir para o estádio, é claro que o ânimo da volta dependia do resultado do jogo, mas o apedrejamento, as pauladas, essas demonstrações de barbárie dos dias de hoje não existiam. Evidente que entreveros ocorriam, mas eram raros e, sem o turbinamento nefasto das drogas, esse mal dos tempos ditos modernos, a turma do deixa-disso apartava e facilmente resolvia. Hoje, só os loucos ousam apartar uma briga em clima de jogo.
Com o advento do Remendão do Estreito o bom clima se estendeu ainda por um bom tempo. Aficionado que sou do futebol, prezo muito um bom lugar nos estádios, com bom ângulo de visão, por isso habituei-me a assistir aos clássicos no Remendão exatamente diante da linha divisória do meio campo, ou seja, no meio da torcida do rival. Subia as arquibancadas e conhecidos meus me apontavam, chamavam-me de secador, apontavam para a torcida do Leão dizendo, o teu lugar é lá, vai pra lá, mas tudo acabava em risos, quando muito com alguns olhares enviesados.
Certa vez, cheguei ao Remendão com atraso, exatos 6 minutos, entrando pelo portão que fica à direita das cabines de rádio e a primeira visão que tive do campo foi do atacante Toninho Quintino chegando próximo à área e desfechando um tiro mortal, abrindo o placar no clássico em favor do Avaí.
Quando, enfim, sentei-me no lugar onde assistiria ao restante do jogo, perguntei à pessoa do lado: "Como foi o lance do gol?" E a resposta desse alguém que me julgava um barbye, em tom de desabafo: "A jogada de sempre, né, o Zenon lançou pro Toninho..." O reconhecimento desavisado e doce de ouvir, do adversário, a dois craques que fizeram época na história dosclássicos.
Com a aberração toda que veio depois, com essa desagregação social fruto da competição fria e desmedida que vemos hoje em dia e que equivocadamente muitos ainda chamam de progresso, as torcidas se transformaram em turbas, em ambiente seleto para psicopatas e drogados e a frequência aos estádios é cada dia mais uma aventura inóspita, muitas vezes perigosa.
Enfim, ficam aqui memórias de um tempo muito valioso, não há como não morrer de saudades.
* Roberto Costa é associado do Avaí FC. Considerando que teremos muitos clássicos em 2015, segue a reprodução desse texto publicado no Blog do Tarnowsky em 12/01/2014. Fotos acima: Internet
2 Comentários:
É verdade, tempo muito bom, naquele em que o objetivo de quem ia aos estádios era, exatamente, assistir aos jogos.
Lembro que uma vez fui ao Remendão, que naquela época ainda não era o nosso salão de festas, para assistir mundiça e Olaria e, fui direto para o meio da torcida deles.
Mal comecei a me colocar nas arquibancadas quando um conhecido gritou "aí secador, tás fazendo o quê aqui?".
E eu respondi "só vim porque é azul e branco", sentei a assisti o jogo tranquilo, como deveria ser ainda hoje.
Tempos bons e "involtáveis", infelizmente.
Byghal.
Byghal,
Ainda peguei um pouco dessa história, até porque estudava com o filho do Fernando Bastos e do José Mauro Ortiga...
Tempos bons e "involtáveis" mesmo!
Aliás, hoje a coisa está tão complicada, que até torcedores do mesmo time não conseguem andar juntos, se é que me entendes...
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